O Pleno do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) declarou a inconstitucionalidade de uma lei de Salvador que penalizava condutores de veículos clandestinos. A ação contra a Lei 9.107/2016 foi movida pelo Ministério Público da Bahia (MP-BA) em 2018. O texto legislativo proibia a atividade inclusive de motoristas por aplicativo, como o Uber. A desembargadora Maria de Fátima foi a relatora do caso.
Segundo o voto da desembargadora, o Município de Salvador usurpou a competência da União e do Estado para legislar sobre matéria referente a trânsito e transporte. Na ação, o MP sustentou que somente cabe ao Município legislar de forma suplementar, para apenas adequar as leis estaduais e federais às peculiaridades e interesses locais. Outro argumento apresentado pelo MP-BA foi que a norma questionada ainda previa punição mais grave do que a do Código Trânsito Brasileiro (CTB), de apreensão do veículo, com aplicação de multa de R$ 2,5 mil.
A Prefeitura de Salvador não apresentou manifestações sobre a ação, apesar de ter sido intimada pelo TJ-BA. A Câmara de Vereadores de Salvador afirmou que a Corte baiana não detém competência para julgar o caso. Para a Câmara, o caso deveria ser analisado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), por utilizar como argumentos artigos da Constituição Federal e do CTB, além da Constituição do Estado da Bahia.
A Câmara Municipal de Salvador sustentou que a lei é fruto de uma permissão do artigo 209 da Constituição Estadual e que não houve invasão de competência, “nem no seu âmbito material, posto que se trata de norma administrativa, não havendo nenhuma ilegalidade quanto aos valores estabelecidos a título de multa/punição, todas no âmbito administrativo”. O Legislativo soteropolitano argumentou que, em caso de declaração de inconstitucionalidade da lei, o Município e a população sofrerão com diversos prejuízos, pois haverá “afrouxamento” da fiscalização aos transportadores ilegais de passageiros, garantindo aos infratores uma “falsa” aparência de legalidade de sua atividade ilícita.
A Procuradoria Geral do Estado da Bahia (PGE-BA) se manifestou pela inconstitucionalidade da lei por invasão de competência da União. A PGE também considerou que o texto viola os artigos 59 e 55 da Constituição Estadual que aludem, também, às competências municipais. A Procuradoria Geral de Justiça da Bahia, em um parecer, opinou pela suspensão da lei de forma imediata.
No voto, a relatora destaca que, apesar do Município ter competência para legislar sobre transportes coletivos, “esta competência é adstrita a aspectos do tema exclusivamente relacionados ao interesse local, pois em perspectiva geral, que revela interesse nacional, torna-se inevitável a invocação da competência do legislador federal”. A desembargadora cita que a norma é intensamente gravosa para toda a população de Salvador e que será de difícil recuperação os valores “abusivamente cobrados das multas impostas”.
“Por razões de segurança jurídica e relevância social da matéria, a norma guerreada deve ser afastada do sistema jurídico de forma definitiva, sob pena de permanecer legitimando atuações administrativas contrárias à ordem constitucional estadual, com multiplicação de demandas individuais”, destaca a desembargadora na decisão. A desembargadora Maria de Fátima destaca que o artigo 271 do CTB prevê que, em casos de clandestinidade, o veículo será removido para o depósito de órgão competente, enquanto que a lei questionada prevê multa de R$ 2,5 mil para o condutor, e, em caso de reincidência, o valor da multa será dobrado. “A simples leitura verifica-se que a referida norma determina a aplicação de apenas duas sanções para o caso do transporte irregular de passageiros, quais sejam, a multa e a retenção do veículo”, pontua no acórdão.