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Como um acordo de paz na Colômbia ajudou a transformar o Equador de uma 'ilha de paz' no país com mais assassinatos na América do Sul
Brasil
Publicado em 11/01/2024

Em 2016, quando se mudou para o Equador, a espanhola Sara Penas acreditava que havia descoberto um oásis na América Latina. O país era o contrário de tudo que sempre escutou sobre criminalidade no continente: bairros tranquilos, caminhadas durante a noite e segurança quase similar à que tinha na Europa. Agora, o país enfrenta uma guerra sem precedentes contra criminosos.

À época, o Equador era de fato um dos países mais seguros da América do Sul. A taxa de homicídios em 2016 era de 5,83 por 100 mil habitantes, e chegou a cair no ano seguinte para o recorde histórico de 5,81 por 100 mil habitantes.

 
 

Como comparação, o Brasil tinha índices muito maiores: em 2016, eram 26,4 homicídios dolosos por 100 mil habitantes, e 27 em 2017, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

 

“Era tudo muito tranquilo, me surpreendi”, disse a espanhola, que deixou o país há exatos três anos, quando tudo mudou no Equador. A violência disparou, homicídios e crimes ligados a cartéis de drogas explodiram e narcotraficantes passaram a ameaçar e matar governantes, promotores e juízes.

 

 

As taxas de homicídio que o governo usava como troféu foram crescendo progressivamente até quadruplicar em 2020, quando uma série de massacres entre gangues rivais tomou conta de presídios por todo o país.

E o pior ainda estava por vir: em 2023, o índice quase dobrou e chegou a 46,5 por 100 mil habitantes, segundo dados divulgados pelo jornal El Universo.

Foi a pior da taxa da história do país, e mais que o dobro da registrada no Brasil no ano passado, de 19,5 por 100 mil habitantes, segundo o FBSP.

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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Taxa de homicídios no Equador se multiplicou por seis em menos de uma década

 

De ilha de paz à escalada da violência

 

 

Em 2015, o governo do Equador celebrava que as baixas taxas de homicídio haviam colocado seu país no ranking dos três países mais seguros da região, atrás apenas de Argentina e Chile. Também o descolaram do cenário de seus vizinhos Peru e Colômbia — historicamente com problemas com guerrilha, o que fez o Equador ser conhecido como "ilha de paz".

Mas foi justamente a vizinhança que levou o Equador a passar de uma espécie de oásis da segurança ao país mais violento da América do Sul.

O acordo de paz assinado entre o governo da Colômbia e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) em 2016 fulminou os cartéis que chegaram a dominar cidades inteiras do país. Mas, em vez de ser extinto, o mercado de drogas acabou migrando para regiões no Equador.

Lá, narcotraficantes encontraram as brechas que precisavam para seguir operando: uma política de segurança pública pouco especializada no crime que cometem combinada ao fator geográfico.

 

De cara para o Oceano Pacífico e com mais de 2.200 quilômetros de costa, o Equador acabou se tornando uma das principais rotas do tráfico de drogas da América Latina para os Estados Unidos e a Europa.

 

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vácuo no domínio do tráfico de drogas na região também atiçou a cobiça dos cartéis equatorianos, mexicanos e até da máfia albanesa, segundo o cientista político especializado em América Latina Will Freeman, do Conselho de Relações Exteriores, think tank dos Estados Unidos.

 

“O acordo de paz contribuiu para um período de estabilidade para a Colômbia, mas teve um impacto exatamente oposto no Equador. As Farc mantiveram durante muito tempo um monopólio nas rotas de tráfico de cocaína do sul da Colômbia para os portos do Pacífico do Equador, onde tendiam a manter a violência ao mínimo”, afirmou.

 

“Depois do acordo, grupos do Equador começaram a brigar por esse espaço. Percebendo uma oportunidade, grupos criminais estrangeiros logo também entraram na batalha”.

 

Violência na política

 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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Ariel Palacios: Equador tem um dos maiores índices homicídios da América Latina

 

Em 2023, quando quase 8.000 homicídios foram registrados pela polícia do país, a violência chegou de vez ao cenário político. Três políticos foram assassinados, um deles o candidato à presidência Fernando Villavicencio, morto a tiros em plena luz do dia em uma praça lotada, na saída de um ato de campanha.

Os outros candidatos, incluído o atual presidente, Daniel Noboa, passaram a usar coletes à prova de bala no resto da campanha e foram votar rodeados de um forte esquema de segurança.

 

“Há uma réplica do que houve na Colombia nos anos 1980, quando os cartéis tanto de Medellin quanto o de Cali conseguiram dominar praticamente o Estado colombiano”, disse o consultor político brasileiro Amauri Chamarro, que vive em Guayaquil, o epicentro da crise de violência atual.

 

Mas, em paralelo aos baixos índices de criminalidade que o Equador viveu na década passada, o período também já dava sinais de que a situação poderia piorar.

Em 2010, um motim de policiais por salários melhores mergulhou o país, então sob comando do esquerdista Rafael Correa, em uma crise institucional que quase terminou em um golpe de estado, segundo o governo da época. Já a oposição acusou Correa de reprimir fortemente os protestos e caçar a imprensa, processando jornais e minando a liberdade de expressão.

 

A polarização aumentou, mas o caos institucional ainda não se refletia nos índices de criminalidade. Foi só a partir de 2018 que a violência nas ruas começou a crescer, de forma tímida, até chegar ao cenário de 2023, que se tornou o ano mais violento da história do Equador, segundo disse o cientista político Fernando Carrión, da Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais, na Guatemala, à agência de notícias Associated Press.

Ainda segundo Carrión, o país tem o crescimento mais rápido e "impressionante" do índice de homicídios em toda a América Latina.

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