Eles apareciam nos roteiros da alta gastronomia de Salvador e recebiam a presença de frequentadores ilustres. Em comum, agora têm as portas fechadas e perfis desatualizados nas redes sociais. Ao menos cinco restaurantes icônicos da capital baiana encerraram as suas atividades em menos de um ano. Mas, afinal, o que está por trás da crise dos restaurantes de luxo da cidade?
Shiro, Paris 6, Larriquerri, Zafferano e Paraíso Tropical. As similaridades entre eles vão além dos cardápios com pratos individuais que ultrapassavam R$100. Todos os cinco restaurantes fecharam as portas entre julho do ano passado e fevereiro deste ano. Mas nem todos tiveram o mesmo destino.
O Shiro, famoso pela culinária japonesa sofisticada e localizado no bairro da Graça, por exemplo, não atende mais clientes desde o início deste mês. O atendimento delivery continua e o restaurante voltou a realizar eventos externos. “É um ponto de continuação dessa história linda que continuaremos escrevendo juntos”, diz o comunicado divulgado nas redes sociais. O restaurante foi inaugurado há 19 anos.
A empresária Tatiana Frizzera, que esteve no comando do Shiro, revela que a decisão de fechar o espaço físico foi tomada por dois motivos principais: a insegurança do ponto comercial e uma proposta de venda 'irrecusável'.
"Não foi só uma questão de adequação ao mercado, eu já queria me desligar desde antes da pandemia. Eu nunca fui da parte operacional, mas tive que abraçar isso depois da saída do antigo sócio. Era um desejo pessoal e aconteceu tudo muito rápido", afirma.
Os restaurantes clássicos oferecem mais do que comida de alta gastronomia. A experiência de ser bem atendido em um ambiente confortável faz parte do pacote e justifica os preços altos. Por isso, a advogada Cyntia Possídio, cliente fiel do Shiro, não acredita que o delivery substitua a ida ao restaurante.
Shiro completaria 19 anos em maio Crédito: Reprodução
“Eu cheguei a pedir o delivery algumas vezes, mas acredito que eles não conseguiram manter a qualidade do que era servido no restaurante”, diz. Durante 16 anos, o Shiro foi liderado pelo chef Luciano Costa, que abriu o Jhun - restaurante japonês na Barra que tem filas de espera aos finais de semana e é frequentado por personalidades como Ivete Sangalo.
Já o icônico Paraíso Tropical, do chef Beto Pimentel, está fechado há sete meses e meio. Localizado no Cabula, o restaurante é conhecido não somente pela famosa moqueca, mas pelo pomar do terreno. A área verde preservada faz parte da identidade do bairro e as folhas e frutas iam diretamente do pé para os pratos servidos nas mesas de madeira no salão. Fábio Porchat, Zeca Camargo e Marcelo Falcão são algumas das personalidades que registraram suas passagens por lá.
Placa de 'vende-se' instalada onde já funcionou o Paraíso Tropical Crédito: Marina Silva/CORREIO
O destino do estabelecimento ainda é incerto, segundo Carla Pimentel, filha do chef. “O fechamento é temporário e nós pretendemos mudar de local. Mas não é nada certo ainda porque tem toda aquela área do pomar que é nossa e pensamos, talvez, em ampliar para lá”, explicou. Nos comentários na página do restaurante no Instagram, clientes questionam sobre a data de reabertura diante do aviso de fechamento “temporário”.
A crise
Se a missão é entender os motivos que levaram ao fechamento dos restaurantes, é preciso lembrar de um capítulo importante dessa história. A pandemia, que forçou o súbito fechamento desses espaços, ainda traz reflexos negativos para os caixas dos estabelecimentos, como lembra Leandro Menezes, presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes na Bahia (Abrasel).
“Ficamos fechados e com restrições durante meses, e mesmo assim com a obrigação de pagar todas as despesas como aluguel, pessoal, energia, água, taxas e impostos. Fizemos um esforço ainda maior que os demais setores da sociedade para o bem coletivo, aguardando uma posterior política de reparação, assim como aconteceu em diversos países”, pontua.
Leandro ressalta ainda que o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) foi o único pacote de incentivos para o segmento. Criado em 2021, o programa reduziu a zero a alíquota de impostos para empresas do setor. “Muitos sonhos foram perdidos durante a pandemia. Restaurantes que tinham bom movimento não conseguiram sobreviver”, completa Silvio Pessoa, presidente da Federação Baiana de Hospedagem e Alimentação (Febha).
Paulo Almeida Neto é CEO da HubNexxo, empresa especializada na gestão financeira de restaurantes em todo o Brasil. Ele explica que a mortalidade de estabelecimentos do segmento costuma ser maior do que a de outros setores. O aumento do custo dos alimentos nos últimos anos, que também impacta a rotina das pessoas comuns, é um dos maiores problemas.
“Um fator determinante [para a mortalidade dos negócios] é não ter o domínio do ciclo financeiro. Os restaurantes que faturam muito têm muitas obrigações a pagar. Cerca de 55% do faturamento dos restaurantes saudáveis está entre pagar mão de obra e o insumo que faz a comida, que sofreu um ataque muito grande com a inflação”, explica Paulo Almeida Neto.
O presidente da Abrasel Leandro Menezes não descarta que a mudança no comportamento dos clientes interfere na continuidade dos negócios. “Com a diminuição do poder aquisitivo da classe média, realmente se torna mais complexo vender produtos e experiências de maior valor agregado. O mercado vai sempre se ajustando, com a entrada e saída de novos atores”, diz.
Especificidades
Os problemas econômicos não são os únicos que fazem parte da equação que resulta nas portas fechadas dos estabelecimentos comerciais. No caso do Larriquerri, que durante os nove anos de funcionamento criou uma rede fiel de clientes, o divórcio dos fundadores, Rosa e Romildo Guerra, tornou a continuação das atividades inviável.
Restaurante Larriquerri foi fechado após 9 anos Crédito: Reprodução
Segundo a chef, a proposta desde o início era que o restaurante tivesse características familiares. Rosa continua à frente do Larribistrô, na Aliança Francesa, na Barra, onde alguns pratos do antigo restaurante são servidos. O Larriquerri fechou as portas em outubro do ano passado e causou comoção entre os frequentadores.
Na semana passada, foi a vez da única franquia do Paris 6 em Salvador anunciar o fim das atividades. O restaurante é conhecido nacionalmente pelos pratos que homenageiam artistas e pelas sobremesas extravagantes que incluem picolé, como grand gâteau. A única filial na capital baiana foi inaugurada em abril de 2018, no Shopping da Bahia.
“Quando o Paris 6 foi inaugurado, ele era o único daquele perfil dentro do shopping. Hoje existem, pelos menos, mais três que disputam o mesmo público”, analisa Paulo Almeida Neto, CEO da HubNexxo. Para todos os especialistas consultados, a ida de restaurantes de alto padrão para shoppings centers é uma tendência que ganha força na medida em que aumenta a insegurança nas ruas.
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“Restaurantes fora dos shoppings sofrem mais em função da crise da segurança pública. As pessoas têm medo de sair para as ruas”, pontua Sílvio Pessoa. Quem investe na segurança, paga um preço caro: os custos de aluguel e demais taxas é superior dentro dos grandes centros de compras da cidade.
Concorrência
A volatilidade dos negócios também é justificada pela competitividade do segmento. Os restaurantes da vertente fast casual, que oferecem experiências em ambientes casuais, têm atraído cada vez mais público, como explica Paulo Almeida Neto.
“Novos conceitos de alta gastronomia fragilizaram os restaurantes clássicos. Os restaurantes fast casual são chiques, tem uma comida boa, mas tem um serviço mais casual, para que as pessoas possam pagar menos”, diz o CEO da HubNexxo. Jabú Resto & Bar e La Taperia, no Rio Vermelho, além do Ori Restaurante, no Horto Florestal, são exemplos da nova vertente.