Menos vagas e salários estagnados: por que se espera uma desaceleração do mercado de trabalho?
Brasil
Publicado em 02/03/2024
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A taxa de desemprego no Brasil terminou 2023 na casa dos 7,4%, menor patamar para o mês desde 2014. Nesta quinta-feira (29), porém, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou os números do primeiro mês deste ano, interrompendo uma sequência de quedas e indicando estabilidade em 7,6% contra o trimestre anterior.
Daqui para a frente, portanto, quem busca uma nova oportunidade no mercado de trabalho pode se deparar com uma produção cada vez menor de vagas e salários cada vez mais estagnados.
Segundo especialistas consultados pelo g1, efeitos mais estruturais explicam um mercado de trabalho mais apertado. O impacto vem desde um quadro demográfico — em que uma parcela da população que havia deixado de procurar empregos só agora começa a retomar a busca por trabalho —, até a desaceleração econômica vista no país.
Além disso, parte do desaquecimento da criação de empregos no país também tem relação com efeitos tardios da política monetária do Banco Central do Brasil (BC). Apesar de o país ter iniciado um ciclo de quedas da taxa básica de juros, economistas explicam que as consequências dessa mexida normalmente demoram a ser percebidos. (entenda mais abaixo)
Nesta reportagem, você vai entender:
Apesar da forte recuperação após o baque causado pela pandemia — quando empresas destruíram as vagas para reduzir custos —, o mercado de trabalho perdeu o ritmo de retomada ao longo de 2023.
Segundo dados do Ministério do Trabalho, a economia brasileira gerou 1,48 milhão de empregos com carteira assinada em 2023, uma queda de 26,3% em relação ao ano anterior, quando haviam sido geradas mais de 2 milhões de postos de trabalho no país.
Além disso, informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua Trimestral, apontam que a taxa média de desemprego no país foi de 7,8% no ano passado. Em 2022, havia sido de 9,3%.
Na comparação anual, 26 das 27 unidades da federação (UFs) tiveram redução da taxa de desemprego. Mas, pensando apenas no quarto trimestre do ano passado, apenas duas das 27 UFs apresentaram queda significativa do indicador contra o período anterior.
Os dados, divulgados trimestralmente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), também mostram uma desaceleração no rendimento médio mensal dos trabalhadores quando observada a comparação anual, principalmente a partir do segundo semestre do ano passado.
Segundo o pesquisador da área de economia aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) Daniel Duque, a desaceleração vem acontecendo dentro do esperado. Afinal, o ritmo acompanha, em grande parte, o cenário macroeconômico brasileiro.
“O que surpreende é que a taxa de desemprego continua caindo e nós continuamos gerando emprego em um nível consistente. Mas, agora, a tendência é de desaceleração”, diz ele, reforçando que o país já não está mais no “boom” de geração de serviços visto em anos anteriores.
O pesquisador afirma que o país vive um momento de normalização da economia, e de uma estrutura demográfica que cresce bem mais devagar do que o previsto, com uma taxa de participação ainda abaixo do que o observado em período pré-pandemia.
Taxa de participação é a proporção de pessoas em idade de trabalhar que estão inseridas na força de trabalho. O que analistas percebem é que segmentos inteiros da população só agora começam a retornar ao mercado.
“Não é nenhuma surpresa vermos o mercado de trabalho gerando empregos a um nível mais lento”, completa Duque.
Segundo o IBGE, a taxa de participação ficou em 62,4% na média anual de 2023. Apesar de representar um aumento de 0,5 ponto percentual (p.p.) em comparação ao ano anterior (61,9%), o número ainda é 1,5 p.p. menor do que observado em 2019, antes da pandemia de Covid-19. Naquele ano, a taxa de participação ficou em 63,9%.
Não há um fator isolado que explique a dinâmica do mercado de trabalho. É importante entender, porém, os efeitos de cada um deles e como mudam o cenário como um todo. Veja abaixo, em tópicos.
➡️ Quais os efeitos dos juros
De acordo com o economista da LCA Consultores Bruno Imaizumi, parte do cenário de desaceleração reflete os efeitos da política monetária exercida pelo Banco Central do Brasil (BC). Apesar de a instituição já ter iniciado o seu ciclo de cortes de juros, os impactos demoram cerca de seis meses para serem sentidos, o que economistas chamam de defasagem da política monetária.
Mesmo de agosto para cá, quando o BC fez a sua primeira redução de juros, os empresários ainda enfrentam dificuldades de acesso ao crédito e taxas ainda altas, o que inibe investimentos e novas contratações.
“O empresário paga a taxa real [de juros] e não a Selic. Então quando ele vai investir, ampliar uma fábrica ou escritório e precisa de mão de obra, ele vai pensar no custo efetivo e no retorno que ele vai ter", comenta o economista e presidente do Conselho Regional de Economia de São Paulo (Corecon-SP), Pedro Afonso Gomes.
"Se não há muita certeza de retorno ou se vai ser menor do que o esperado, ele adia a ampliação e a sociedade sente isso indiretamente nos postos de trabalho”, prossegue.
Em resumo: uma política monetária contracionista — quando sobem ou permanecem altos os juros — por parte do Banco Central deixa as empresas pouco propensas a investir. A oferta de emprego é reduzida e o crédito fica mais caro para a população, o que inibe também o consumo.
É, assim, que os juros servem para controlar a inflação.
➡️ Por que o desemprego diminuiu mesmo com os juros altos?
Os impactos do alto nível de juros não foram tão fortes no mercado de trabalho porque o mundo saiu de um momento atípico, de crise global após a pandemia. No Brasil, junto com a política monetária contracionista do BC, houve uma série deestímulos fiscais criados pelo governo federal, que preservaram o potencial de consumo.
Com dinheiro em mãos pela criação ou reajuste de programas sociais, a população manteve o dinheiro em circulação e aqueceu a economia — o que também foi fator responsável por atrasar os efeitos de desaceleração econômica previstos com a política de juros do BC.
Agora, por mais que a expectativa seja que o ciclo de cortes de juros comecem a trazer efeitos positivos na ponta, com uma redução das taxas mais perceptível, a desaceleração no ritmo de crescimento da economia e os aspectos demográficos do país devem pesar mais no mercado de trabalho.
"A geração de emprego já está bem baixa e pode ficar pior se realmente vermos um cenário de deterioração da economia. Mas, a princípio, estamos em um período de normalização econômica, de forma que enquanto crescermos entre 2% ou 3%, a gente ainda vai ver o país gerar um pouco de emprego, ainda que de um jeito mais limitado", afirma Duque, da FGV.
➡️ Menor ritmo de recuperação
Os economistas lembram, ainda, que o cenário de recuperação visto em anos anteriores, em que havia uma retomada do mercado de trabalho após a pandemia, também já não acontece mais — e isso também tende a se refletir na evolução do mercado de trabalho em 2024.
“O mercado de trabalho vai seguir a evolução do crescimento da economia. Em 2023 já vimos uma desaceleração e em 2024 não deve ser diferente”, diz Imaizumi, da LCA Consultores.
Em relação aos salários, o ano passado acabou sendo positivo porque o aumento de vagas permitiu um retorno de trabalhadores aos seus cargos de origem e melhores negociações salariais em comparação ao que aconteceu nos anos anteriores.
Essa, inclusive, é um dos aspectos monitorados de perto pelo Banco Central. Um mercado de trabalho aquecido favorece a barganha de trabalhadores, que reivindicam melhores salários. E a renda mais alta costuma pressionar a inflação, em especial no setor de serviços. Mas os economistas ouvidos pelo g1 não acreditam que o ganho de renda possa se repetir neste ano.
“Pensa que durante a pandemia, muitas pessoas aceitaram empregos de menor remuneração para ficar no curto prazo. E as que ficaram em seus empregos não conseguiram reajustes salariais porque as companhias estavam com dificuldade”, explica Bruno Imaizumi, da LCA.
“Então tivemos alguns reajustes importantes em 2023 que não devem se repetir em 2024. A única coisa que temos para esse ano é a política de valorização do salário mínimo, que deve ajudar de forma indireta”, completa Imaizumi.
A política de valorização foi anunciada pelo governo no ano passado. Isso significa que o salário mínimo deve ser ajustado anualmente, de forma a acompanhar a inflação e garantir ganhos reais aos trabalhadores.
Em 2024, por exemplo, o salário mínimo estabelecido pelo governo foi de R$ 1.412, um aumento de quase 7% em comparação aos R$ 1.320 válidos até dezembro de 2023.
Os economistas destacam, ainda, que outro ponto que acaba influenciando na tendência de desaceleração dos salários é a mudança no perfil de trabalhadores na taxa de participação.
“As pessoas que estão entrando e saindo do mercado de trabalho têm menos qualificação e, consequentemente, menos poder de barganha no mercado de trabalho. De maneira que, quando entram, muitos já entram via informalidade”, diz Duque, do FGV Ibre.
Dados do IBGE apontam, por exemplo, que apesar da redução da taxa anual de informalidade no país, que passou de 39,4% para 39,2%, os números continuam altos: cerca de 39,4 milhões de brasileiros seguem na informalidade.
Informações do instituto ainda mostram que, em 2023, houve um número recorde no registro de pessoas ocupadas, chegando a 100,7 milhões no ano — um aumento de 3,8% em relação a 2022 (96,9 milhões).
Esse crescimento refletiu um recorde tanto no número de empregados sem carteira assinada (13,4 milhões de pessoas em média), como no montante de pessoas empregadas com carteira de trabalho assinada (média de 37,7 milhões de pessoas).
A perspectiva, nesse cenário, também é de desaceleração do rendimento médio mensal do trabalhador. “Os salários vão continuar crescendo ao longo deste ano, mas com uma intensidade bem menor do que cresceram nos últimos dois anos”, diz Imaizumi
“É um mercado de trabalho que continua evoluindo positivamente, mas de maneira bem mais comedida, tanto pela ótica de vagas quanto pela ótica da remuneração”, completa.