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Das paletas mexicanas ao pistache: como surgem as febres gastronômicas?
Brasil
Publicado em 21/08/2024

O ano era 2014, e era quase certo que ao cruzar as esquinas das principais cidades brasileiras você encontraria uma loja bem chamativa, com filas enormes formadas por pessoas de todas as idades que aguardavam ansiosas o momento de experimentar as tão aclamadas paletas mexicanas, picolés coloridos e recheados de infinitos sabores que foram a grande febre daquele momento.

 

Naquele mesmo ano, era um fato que ao abrir suas redes sociais também iria se deparar com seus amigos postando fotos de brigadeiros lindos, resultado de diferentes receitas que iam muito além da tradicional – que, diga-se de passagem, também ganhava sua versão ainda mais caprichada nas “brigaderias gourmet”, outra grande onda que somou inúmeras lojas especializadas do item, que mesmo famoso há décadas, explodiu e atraiu diferentes olhares à época.

Brigadeiros Gourmet - Pexels
Velho conhecido dos brasileiros, brigadeiro ganhou novos sabores e versões na última década / Pexels

Foi assim também com produtos como cupcakes, churros, donuts, temaki, frozen iogurte e até pipoca, que ganharam suas lojas totalmente dedicadas a eles e marcaram um período importante na indústria gastronômica.

De olho no sucesso, centenas de empreendedores resolveram criar do zero modelos de negócios que viraram uma verdadeira febre – outros apostaram no modelo de franquias após perceberem a grande demanda sobre determinados produtos, com o intuito principalmente de “surfar as ondas do momento”.

Muitos empreendimentos se sustentaram e permaneceram no mercado. Gelateriashamburguerias artesanais e restaurantes japoneses, por exemplo, foram se reinventando e mostraram ser algo além de uma febre.

 

Outros, por sua vez, tiveram curvas de crescimento muito altas, mas acabaram declinando e fechando as portas, sendo quase extintos do mercado.

Afinal, por que alguns destes itens explodiram em determinas épocas e tomaram rumos diferentes depois do auge?

  • Moda X Tendência

Para entender todo este cenário, dois conceitos que se confundem precisam ser diferenciados e levados em consideração: moda e tendência. Ambos são relevantes e podem ter papéis significativos no desempenho de novos negócios. 

Enquanto moda é a definição de algo passageiro, como aconteceu com as paletas mexicanas e cupcakes, por exemplo, as tendências permanecem por mais tempo no mercado, muitas vezes se reinventando e se adaptando a novos contextos para não perderem seus espaços. Um destes casos é o açaí, que ao passar dos anos ganhou um novo posicionamento na indústria.

“Até 2010, ele era consumido mais indulgentemente, com complementos como leite condensadoAtualmente, ele é mais conhecido e até exportado para fora do Brasil dentro da proposta de saudabilidade” analisa Mikaely Correa, Research Consultant, Euromonitor International, mostrando que o produto conseguiu se reposicionar dentro de um dos mercados que está mais em alta nos dias de hoje.

Açaí
Açaí teve um grande boom no mercado há alguns anos, mas soube se reposicionar e garantir que seu consumo virasse tendência usando como um dos motes a saudabilidade / Unsplash
  • As tendências

A pesquisadora da Euromonitor classifica as tendências como movimentos persistentes de consumo que podem influenciar de forma significativa nos resultados de venda. Ela explica que diversas coisas podem influenciar estas movimentações, como fatores demográficos, econômicos, naturais, tecnológicos, político-legais e socioculturais, e que há várias definições sobre tendências que podem ser encontradas entre os estudiosos sobre o tema.

“Em geral, podemos ter até uma distinção na nomenclatura das tendências em função da expectativa de sua duração. Geralmente as tendências cobrem um período de até 5 anos. As megatendências correspondem a 10 anos e as giga tendências falam de 50 anos ou mais“, ressalta.

Assim como o açaí, que saiu de um boom para se tornar uma tendência, Mikaely traz também a culinária japonesa como um grande exemplo que veio para ficar.

É certo que houve um momento em que temakerias e rodízios japoneses tiveram um grande auge aqui no Brasil. Mas ao contrário de muitas ondas que tiveram seu ápice e seu declínio, este tipo de gastronomia está mais presente do que nunca no país, ganhando novas formas e modelos de negócios para continuar conquistando o público, como a abertura de izakayas e restaurantes à la carte, por exemplo.

“A comida japonesa não é uma mera moda até pela relevância da comunidade japonesa no Brasil — uma das maiores do mundo fora do próprio Japão. As temakerias e os rodízios de sushi perderam um pouco a tração, mas os restaurantes de comida japonesa passaram a investir em mais opções, com grande variedade de pratos quentes como o Ramen. A categoria de Asian Full-Service Restaurants cresceu proximadamente 8% em 2023, demonstrando o potencial que a culinária japonesa tem, bem como o das novas entrantes, como tailandesa e coreana”, ressalta Correa.

Hambúrguer artesanal - Unsplash
Hamburguerias artesanais movimentaram cerca de R$ 11 bilhões em 2023 e já é considerada uma grande tendência do mercado gastronômico / Unsplash

Outro mercado que ganhou uma força enorme há cerca de cinco anos e tem se sustentado é o das hamburguerias artesanais. Segundo dados da Fab Lab e da Tastewise, nos últimos anos o setor de food service brasileiro viu o crescimento explosivo das hamburguerias artesanais, que movimentaram cerca de R$ 11 bilhões em 2023, superando o mercado da comida japonesa avaliado em R$ 7 bilhões. Durante a pandemia, o número de hamburguerias cadastradas aumentou 104%, enquanto as vendas cresceram 140% entre 2020 e 2022.

Para Carlos Keiichi, head de inovação da Fab Lab, esse setor se consolidou como uma força dominante no cenário gastronômico, impulsionado pela busca dos consumidores por produtos personalizados e de alta qualidade, refletindo uma mudança significativa nas preferências do público brasileiro.

“Tendências que se consolidam a longo prazo são aquelas que atendem a necessidades fundamentais ou mostram uma capacidade notável de adaptação às mudanças do mercado. Mercados como os de hamburguerias artesanais, comida japonesa, açaí e gin se destacam por se adaptarem ao paladar brasileiro, inovando constantemente nas receitas e mantendo uma presença forte nas mídias sociais, o que reforça a popularidade desses produtos em nosso cotidiano”, analisa Keiichi.

  • Modas e febres gastronômicas
Picolés recheados - Unsplash
Paletas Mexicanas tiveram um grande boom entre 2012 e 2014 no Brasil; dez anos depois, pouquíssimas mantiveram as portas abertas / Unsplash

Embora existam teorias que tentem explicar como modas e febres gastronômicas surjam, a verdade é que elas são fruto de diversos elementos que, na maioria das vezes, são imprevisíveis.

Keiichi explica que estes “booms” podem aparecer pelo desejo por novidades; busca por experiências únicas; colaborações criativas entre marcas ou por influência de personalidades, mídias e redes sociais. Para contextualizar o tema, ele cita um grande case que gera muita curiosidade entre as pessoas: a ascensão e o quase desaparecimento das paletas mexicanas no mercado.

“As paletas mexicanas tiveram seu auge devido a uma combinação de fatores estratégicos. Elas chegaram ao mercado com um apelo artesanal e visualmente atrativo, numa época em que o consumidor estava ávido por experiências novas e produtos que oferecessem uma história autêntica. Entre 2012 e 2014, houve um crescimento de 150% no número de lojas de paletas no Brasil, refletindo seu sucesso inicial. No entanto, a saturação do mercado e a falta de inovação levaram à queda deste fenômeno, com muitas lojas fechando as portas nos anos seguintes”, ressalta.

“As paleterias não conseguiram se diferenciar suficientemente umas das outras. Muitas ofereciam os mesmos sabores e tipos de produtos, o que tornou o mercado extremamente competitivo e sem novidades para manter o público engajado. Além disso, por serem artesanais e terem recheios sofisticados, tinham um preço relativamente alto em comparação com outros sorvetes disponíveis no mercado. Conforme a novidade foi passando, muitos consumidores começaram a questionar o custo-benefício e optaram por alternativas mais acessíveis”, complementa Mikaely Correa, da Euromonitor.

Outros itens como frozen yogurts e cupcakes seguiram trajetórias semelhantes, com centenas de lojas abertas em um curto espaço de tempo, trazendo uma saturação do mercado, com muito mais oferta do que demanda.

“Normalmente a moda tem um ciclo, onde há um pico e uma queda. O que acontece é que permanecem no mercado aqueles que são muitos bons, muitas vezes com um posicionamento diferente e em menor escala, pois conseguem conquistar o consumidor. Sempre podem ter outras ondas chegando. A questão é que nem todos que investem nesses tipos de produtos de febre conseguem permanecer seja por conta da qualidade, por força da marca ou até mesmo estratégia do negócio”, analisa Simone Galante, CEO da Galunion, consultoria especializada em food service.

Carla Rosas, diretora de marketing do Le Cordon Bleu, reforça a procura cada vez maior por qualidade por parte do consumidor.

“Isso é reflexo da sociedade que procura cada vez mais consumir alimentos saborosos, nutritivos e com bons ingredientes. Muitas vezes, aquele produto específico só desperta interesse inicial, mas não cai no gosto do cliente, que apenas quer experimentar e não cria o hábito de consumo. Também é difícil manter o padrão de qualidade ou atendimento quando se cresce muito rápido em tão pouco tempo. O sucesso de um negócio vai depender de muitos fatores, incluindo o acesso à informação”, completa.

Adriana Auriemo, vice-presidente da Associação Brasileira de Franchising (ABF), completa a análise, dizendo que muitos empreendedores, na ânsia de surfarem na moda rapidamente, acabam pecando em fatores extremamente importantes na abertura de seus negócios, como localização, qualidade de produto, adaptação ao mercado e inovação.

“A exclusividade chama a atenção. Quando você tem uma única loja que vende aquele produto, todo mundo acaba falando, as marcas acabam se interessando, abrem seus negócios e fica muito mais fácil de achá-lo, diluindo o público. Quando tem muitas lojas do mesmo produto abrindo ao mesmo tempo, algumas acabam entrando em lugares não tão adequados, aceitando pagar aluguéis mais altos, principalmente dentro de shoppings”, enfatiza.

Ela ressalta que, ao abrir um negócio, é preciso ter uma estratégia bem traçada, tanto financeiramente quanto de mercado, entendendo a importância da qualidade do produto e sua adaptação, vendo possibilidades de amplificar o portfólio daquilo que é oferecido, diversificando canais de venda e adentrando em novos nichos de mercado se necessário. Isso vale também para o mercado de franquias, que tem o food service com um grande braço (dentre as 50 maiores, 33% correspondem ao mercado de alimentação).

Segundo dados de uma pesquisa realizada pela ABF e Galunion, o segmento de Alimentação (tanto Food service quanto Comércio e Distribuição) fechou o ano de 2023 com crescimento de 19% no faturamento, com R$ 61,959 bilhões, além de um aumento de 12% no número de unidades, que passou de 40.520 operações para 45.709.

O número de redes registrou um incremento de 9%, passando de 857 para 938. Essa parcela do franchising repetiu a dose no 1º trimestre de 2024, com Alimentação – Comércio e Distribuição crescendo 43,9% (com impacto da Páscoa no 1º trimestre e excelente desempenho das chocolaterias) e Alimentação Food Service crescendo 26,6%.

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