O desaparecimento de Priscila, que é irmã do famoso lutador brasileiro Vitor Belfort, chocou o país e provocou o início de uma batalha da família Belfort por respostas. O caso ajudou a mudar como a polícia lida com o sumiço de pessoas, mas, até hoje, o paradeiro de Priscila não foi descoberto.
Nesta quarta-feira (25), a plataforma de streaming Disney+ lança ‘Volta Priscila’, série documental de quatro episódios que promete examinar em detalhes a investigação e as reviravoltas que envolveram o desaparecimento da jovem.
Priscila Belfort tinha 29 anos e trabalhava na Secretaria Municipal de Esportes e Lazer do Rio de Janeiro, localizada na Avenida Presidente Vargas, região central da cidade, quando saiu para almoçar durante o expediente do dia 9 de janeiro de 2004. Desde então, ela nunca mais foi vista.
Relembre o caso
Na sexta-feira, dia 9 de janeiro de 2004, Priscila Belfort acorda com cólica e indisposta. Sua mãe, Jovita Belfort, a leva de carona até seu trabalho, em um prédio da Secretaria Municipal de Esportes e Lazer do Rio de Janeiro, na Avenida Presidente Vargas, no centro do Rio.
Segundo a investigação, Priscila chegou ao escritório por volta de 11h e fez algumas ligações telefônicas. Um funcionário do prédio em que ela trabalhava a viu caminhando desatenta, por volta das 13h, na Avenida Marechal Floriano, próxima à Presidente Vargas. Foi a última vez que ela foi vista.
Segundo Jovita, Priscila estava com pouco dinheiro, sem cartões de banco e com o celular descarregado. À noite, Vitor Belfort registra um boletim de ocorrência sobre o desaparecimento da irmã na 14ª DP (Leblon).
No sábado, dia 10, a família Belfort e amigos começam a se revezar e fazer buscas ininterruptas por Priscila pelas ruas de todas as regiões da cidade do Rio de Janeiro.
Na época, Vitor Belfort já era um lutador muito conhecido no Brasil, e havia acabado de se casar com Joana Prado, que fazia a personagem de dança ‘Feiticeira’ em programas de auditório da TV brasileira. Com isso, o caso logo ganhou grande repercussão na imprensa.
Nos dias seguintes, amigos e parentes começaram a distribuir panfletos com a foto de Priscila e números do Disque Denúncia. Dezenas de outdoors são espalhados pela cidade.
Na ocasião, o Disque Denúncia recebe as primeiras ligações sobre o caso, mas nenhuma pista concreta é encontrada. Equipes da 14ª DP iniciam buscas em hospitais e no IML (Instituto Médico Legal).
A polícia passa a considerar o desaparecimento um possível crime de extorsão mediante sequestro e o caso começa a ser conduzido pela Delegacia Antissequestro (DAS). Porém, a família não recebe nenhum pedido de resgate.
Um ato público fazendo um apelo por informações e com a presença de famosos como Bernardinho, Eri Johnson, Márcio Garcia e Mario Gomes é organizado pela família Belfort. No ato, é utilizada pela primeira vez a camiseta “Volta, Priscila”. Em um comunicado em rede nacional, a família pede para a população parar de mandar pistas falsas.
A Polícia Civil do Rio inicia então buscas em outros estados após dezenas de ligações recebidas pelo Disque Denúncia, mas nenhuma hipótese avança e uma linha de investigação não é formada. Família e amigos afirmam não ter ideia do que pode ter acontecido.
Em Las Vegas, Vitor Belfort conquista o cinturão dos meio-pesados do Ultimate Fighting Championship (UFC), 22 dias após o desaparecimento de sua irmã. “Só pensava nela quando entrei no ringue”, afirmou na ocasião.
A Polícia Civil não consegue avançar no caso, e o Disque Denúncia começa a oferecer, no início de maio, uma recompensa no valor de R$ 5 mil para pistas que levem até Priscila. É a primeira vez que um desaparecimento tem remuneração por denúncias na cidade do Rio de Janeiro.
Dão, o chefe do tráfico do Morro da Providência, comunidade da região central do Rio, é preso. A princípio, há indícios de que a quadrilha chefiada por ele possa estar envolvida no desaparecimento de Priscila. Porém, cinco dias depois ele é solto por falta de provas.
A Polícia Civil faz uma operação no Morro da Providência, em busca de uma garagem desativada onde Priscila estaria, segundo múltiplas ligações recebidas pelo Disque Denúncia. No entanto, os agentes não encontram nenhum vestígio da jovem no local.
A 127ª DP (Búzios), na região dos Lagos, recebe uma denúncia anônima garantindo que o corpo de uma mulher, que foi encontrado carbonizado em um carro, é o de Priscila. Poucas semanas depois, o Disque Denúncia recebe a mesma informação.
A família realiza exames de DNA para saber se o corpo encontrado era mesmo o de Priscila, mas o resultado é negativo.
Caso sem conclusão
Durante esses 20 anos, diversas hipóteses sobre o desaparecimento de Priscila foram levantadas. A linha de investigação seguida pela polícia foi inicialmente a de um possível sequestro, e depois a de que traficantes teriam matado a jovem. Essa hipótese surgiu após o boato de que ela poderia ser usuária de drogas, informação que sempre foi negada pela família e que nunca teve comprovação.
Jovita Belfort, mãe de Priscila, se tornou uma ativista contra a invisibilidade de pessoas desaparecidas. Por conta de sua militância, a Polícia Civil do Rio de Janeiro passou a ter em sua estrutura, a partir de 2014, a Delegacia de Descoberta de Paradeiros (DDPA), para que casos de pessoas desaparecidas não fossem tratados em delegacias de homicídio ou de sequestros.
Com a ajuda de Jovita, que chegou a ocupar o cargo de superintendente de Prevenção e Enfrentamento ao Desaparecimento de Pessoas na Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos do Rio de Janeiro, o estado criou o sistema ‘Alerta Pri’ em março de 2022.
A ferramenta era um sistema, operado pela Polícia Civil, que enviava um alerta para os telefones de pessoas cadastradas toda vez que uma criança ou adolescente desaparecia no estado. A mensagem continha o nome, a idade, as características físicas, o local do desaparecimento e outras informações pertinentes.
Durante o período em que o projeto esteve ativo, de 30 crianças desaparecidas no estado, 27 foram encontradas. Porém, em junho do mesmo ano o projeto foi interrompido por falta de acordo entre o governo e as empresas de telefonia. Segundo a família Belfort, as companhias não quiseram arcar com os custos das mensagens.
Vinte anos depois, Priscila segue entre os mais de 80 mil brasileiros que desapareceram no país, conforme dados do Anuário da Segurança Pública deste ano.
Segundo a família Belfort, o inquérito que investiga o caso chegou a ser arquivado, mas foi reaberto há cerca de dois anos, por conta da gravação da série do Disney+.
Em nota à CNN, a Secretaria de Estado de Polícia Civil do Rio (Sepol) afirmou que se solidariza com a dor da família e que, desde os primeiros momentos, todos os recursos disponíveis foram empregados a fim de elucidar o caso e esclarecer o paradeiro de Priscila.
“Inúmeras diligências foram realizadas e diversas linhas de investigações foram checadas. Vale ressaltar que todas as denúncias relacionadas ao caso foram e continuam sendo exaustivamente apuradas pela Delegacia Antissequestro (DAS)”, completa a nota.