A Polícia Federal deflagrou uma operação na manhã desta quinta-feira (10) em Corumbá (MS) contra investigados por provocar um incêndio no Pantanal que ganhou grandes proporções e ficou conhecido como “muralha de fogo”.
Chams atingiram Corumbá em junho de 2024 — Foto: Reprodução
Foram expedidos mandados de busca e apreensão para seis pessoas de uma mesma família, acusada de ter iniciado o incêndio em uma área de propriedade da União. Um sétimo integrante da família também é investigado, e está preso preventivamente por outro crime.
Durante as buscas, um dos alvos da operação foi preso em flagrante por posse ilegal de arma de fogo e outro conduzido até a delegacia da Polícia Federal.
Material apreendido durante a Operação São João — Foto: Polícia Federal
O g1 tenta contato com a defesa deles.
Segundo a investigação, a família explora ilegalmente a região para a criação de gado. Um dos motivos para atear fogo é justamente para realizar o manejo do gado, pois elimina a mata seca acumulada que não é consumida pelos animais e proporciona o crescimento de uma vegetação nova.
Segundo a PF, o fogo começou em 1º de junho e se estendeu, causando estragos em uma área estimada de 6,5 mil hectares.
Uma fonte ouvida pelo g1, no entanto, estima que, se somadas as queimadas em território boliviano, a área total atingida pelo incêndio passe de 30 mil hectares.
Investigação da Polícia Federal em área atingida por incêndios em Corumbá (MS) — Foto: Divulgação
Ainda de acordo com a polícia, o incêndio na região permaneceu com focos ativos e teve ápice na época da festa de São João, nos dias 21 e 23 de junho.
Imagens de satélites identificaram queimadas em áreas de propriedade da União, em uma Área de Proteção Permanente do Rio Paraguai e em terras devolutas (que são terras públicas geralmente destinadas à preservação ambiental e defesa de fronteiras).
Ao apurar a origem do fogo, a Polícia Federal se deparou com outros possíveis crimes e passou a investigar o uso de terras da União para a criação de gado e a suspeita de contrabando de bois da Bolívia, além de ter encontrado um trabalhador em uma condição com indícios de ser análoga à escravidão.
--:--/--:--
Muralha de fogo dos incêndios no Pantanal contrasta com o Banho de São João
Ainda em junho, a Polícia Federal recebeu uma denúncia anônima relatando que o filho de um pecuarista da região conhecido como Capim teria sido responsável por colocar fogo nas margens do Rio Paraguai.
A Polícia Federal apurou que Capim é a alcunha de Carlos Augusto Alves Martins, filho de Carlos Augusto Borges Martins, conhecido como Carlinhos Boi e apontado como o único pecuarista da região.
Carlinhos Boi também é pai dos demais investigados: Antônio Carlos de Borges Martins (Poré), Carlos Roberto Alves Martins, Damião Alves Martins, Carlos Francisco Alves Martins e Carlos Antônio de Borges Martins.
Incêndio que atingiu Corumbá (MS) em junho de 2024. — Foto: Divulgação
Os sete são investigados, mas os mandados de busca e apreensão desta quinta não incluem Poré, que está preso preventivamente pelo homicídio de um desafeto durante uma briga no carnaval do ano passado.
Entre os crimes investigados estão:
Provocar incêndio florestal;
Reduzir alguém a condição análoga à de escravo;
Ocupar terra da União;
Falsidade ideológica documental; e
Associação Criminosa.
Análise via satélite
De acordo com a investigação, um laudo pericial de imagens de satélite foi feito para detectar alteração na área atingida pelas chamas e o aumento da presença de rebanhos bovinos entre os anos de 2020 e 2024.
Região atingida por incêndios em Corumbá. — Foto: Arte/g1
O laudo aponta que há "grande desproporcionalidade entre os bovinos registrados em nome de Carlinhos Boi e a extensão de sua propriedade" e que essa disparidade “indica a utilização de áreas para além dos limites do Retiro Tamengo”, que é a propriedade registrada em nome dos investigados, num indício de que usam também áreas públicas para movimentação de gado, além de haver a “suspeita de que esse gado sequer é proveniente do Brasil, sendo contrabandeado da Bolívia".
Sobre o incêndio, uma testemunha ouvida disse à polícia que os investigados atearam fogo "com o objetivo de tirar a vegetação mais alta, facilitar a visualização do gado e manter uma área com pastagem no local".
Segundo indícios, as áreas investigadas pela polícia são rotineiramente alvo de incêndios “provocados com o intuito de queimar os capins nativos para que o gado se alimente”.
A propriedade, no entanto, está registrada no Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Sural (Sicar) no nome de Antoninha Alves de Souza, mas o CPF registrado é de Carlos Augusto Martins, o Carlinhos Boi, que já possui inquéritos policiais por crimes ambientais e por manter trabalhadores em condições análogas à de escravo.
A investigação sobre os incêndios ressalta que o ponto de ignição do incêndio investigado não foi feito no interior da propriedade de Carlinhos Boi, mas que há indícios baseados em laudos e registros dos policiais federais de que ele e seus filhos tenham iniciado as chamas.