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Tarifaço de Trump: Fórmula da Casa Branca contém erro que faz países serem taxados até 4 vezes mais, diz grupo conservador
Análise foi feita pelo American Enterprise Institute. Cálculo foi baseado no déficit comercial dos Estados Unidos com cada um de seus parceiros comerciais.
Publicado em 10/04/2025 01:00
Mundo

 

Fórmula utilizada pelos EUA para calcular as chamadas 'tarifas recíprocas' — Foto: US Trade Representative/Reprodução

Fórmula utilizada pelos EUA para calcular as chamadas 'tarifas recíprocas' — Foto: US Trade Representative/Reprodução

 

O cálculo das "tarifas recíprocas" aplicadas pelo governo Trump a produtos de outros países contém uma falha grave, que aumenta em até quatro vezes o valor da taxa a se pagar, segundo um grupo de economistas conservadores.

A administração Trump aplicou uma fórmula que divide o déficit comercial dos EUA com um país pelo valor das importações provenientes desse país.

Contudo, os economistas Kevin Corinth e Stan Veuger, do American Enterprise Institute (AEI), afirmam que a fórmula empregou um valor incorreto para uma das variáveis: a elasticidade dos preços de importação em relação às tarifas, indicado na expressão com a letra grega φ (phi).

 

De acordo com os analistas, a Casa Branca utilizou um valor de φ igual a 0,25, quando, na verdade, ele deveria ser de 0,945. O valor do governo, segundo Corinth e Veuger, seria referente ao valor final dos produtos no varejo — quando, na verdade, ele deveria ter sido calculado com base nos preços de importação.

 

"Nossa visão é que a fórmula na qual a administração se baseou não tem fundamento nem na teoria econômica nem na lei comercial. Mas, se vamos fingir que é uma base sólida para a política comercial dos EUA, deveríamos pelo menos esperar que os funcionários da Casa Branca farão seus cálculos cuidadosamente", diz o artigo publicado pelo AEI.

 

 

"Corrigir o erro da Administração Trump reduziria as tarifas supostamente aplicadas por cada país aos Estados Unidos para cerca de um quarto do seu nível declarado e, como resultado, cortaria as tarifas anunciadas pelo Presidente Trump na quarta-feira na mesma fração, sujeitas ao piso tarifário de 10%", afirma o texto.

Dessa forma, as tarifas aplicadas ao Vietnã, por exemplo, cairiam de 46% para 12,2%. As aplicadas a Lesotho, um pequeno país no sul da África que praticamente só exporta diamantes para os EUA, cairiam de 50% para 13,2%.

Corinth e Veuger apontam também que a Casa Branca afirma ter se baseado nos estudos do economista da Harvard Business School Alberto Cavallo. O próprio Cavallo, no entanto, discorda da fórmula: "Com base em nossa pesquisa, a elasticidade dos preços de importação em relação às tarifas é mais próxima de 1. Se esse valor fosse usado em vez de 0,25, as tarifas recíprocas implícitas seriam cerca de quatro vezes menores", ele escreveu, em uma rede social.

Os economistas da AEI reafirmam não concordar com a metodologia, e que o problema não se resume aos cálculos:

 

"O déficit comercial com um determinado país não é determinado apenas por tarifas e barreiras comerciais não tarifárias, mas também por fluxos internacionais de capital, cadeias de suprimentos, vantagem comparativa, geografia, etc."

 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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Como as tarifas recíprocas de Trump foram calculadas?

 

Países pobres prejudicados

 

fórmula matemática usada pelo governo dos Estados Unidos para calcular as “tarifas recíprocas” sobre as importações tem gerado críticas ao redor do mundo.

Desde que foi divulgada, economistas apontam que, na prática, a fórmula divulgada pela Casa Branca não considera a alíquota cobrada pelos países e, sim, o déficit comercial dos EUA em relação a eles (entenda o cálculo abaixo).

 

  • Déficit comercial ocorre quando um país importa mais produtos do que exporta, ou seja, compra mais do que vende, resultando em um saldo financeiro negativo.

 

Consequentemente, a fórmula afeta mais fortemente algumas das nações mais pobres do mundo, que vendem, mas não podem comprar muito dos EUA, resultando em tarifas recíprocas maiores, destacou a Reuters

 

Madagascar é um exemplo. Com um produto interno bruto (PIB) per capita de pouco mais de US$ 500, o país enfrentará uma tarifa de 47% sobre os US$ 733 milhões em exportações de baunilha, metais e vestuário para os EUA no ano passado.

"Presumivelmente ninguém está comprando Teslas lá", disse John Denton, chefe da Câmara de Comércio Internacional (ICC), à Reuters, uma referência irônica à improbabilidade de Madagascar conseguir apaziguar Trump comprando produtos americanos de luxo.

Nthabiseng Mphou, uma trabalhadora, desempenha suas funções na fábrica da Quantum Apparel nos arredores de Maseru, capital do Lesoto — Foto: REUTERS/Siphiwe Sibeko

Nthabiseng Mphou, uma trabalhadora, desempenha suas funções na fábrica da Quantum Apparel nos arredores de Maseru, capital do Lesoto — Foto: REUTERS/Siphiwe Sibeko

Outro país afetado é Lesoto, na África Austral, que Trump descreveu em março como um país "do qual ninguém nunca ouviu falar". Uma das nações mais pobres do mundo, tem um PIB de pouco mais de US$ 2 bilhões e recebeu a maior taxa da lista de Trump.

 

Lesoto tem um grande superávit comercial com os Estados Unidos, composto por diamantes e tecidos, incluindo jeans Levi's. Em 2024, suas exportações para os EUA totalizaram US$ 237 milhões, representando mais de 10% do seu PIB.

 

"A tarifa recíproca de 50% introduzida pelo governo dos EUA vai acabar com o setor têxtil e de vestuário no Lesoto", disse Thabo Qhesi, analista econômico independente de Maseru, à Reuters.

 

Para Denton, o tarifaço de Trump “corre o risco de prejudicar ainda mais as perspectivas de desenvolvimento de países que já enfrentam uma piora nos termos de troca".

 
 

 

A fórmula polêmica

 

Fórmula utilizada pelos EUA para calcular as chamadas 'tarifas recíprocas' — Foto: US Trade Representative/Reprodução

Fórmula utilizada pelos EUA para calcular as chamadas 'tarifas recíprocas' — Foto: US Trade Representative/Reprodução

A fórmula divulgada pela Casa Branca calcula as tarifas de forma a zerar os déficits comerciais bilaterais entre os EUA e seus parceiros comerciais. Na teoria, considera uma série de fatores.

Além do número de importações (mi) e exportações (xi) dos EUA para cada país, ela inclui a elasticidade das importações com relação aos preços de importação (ε) e o repasse das tarifas para os preços de importação (φ).

 

“Nós literalmente calculamos barreiras tarifárias e não tarifárias”, afirmou no X o vice-secretário de imprensa da Casa Branca, Kush Desai, quando questionado sobre a sua metodologia.

 

Mas economistas se apressaram em salientar que os termos ε e φ se cancelavam de tal forma que a fórmula poderia ser reduzida a um simples quociente entre o déficit comercial de bens e as importações dos EUA.

 

➡️ Entenda o cálculo abaixo a partir do exemplo da China, que vendeu US$ 438,9 bilhões para os EUA em 2024 e comprou US$ 143,5 bilhões, segundo dados do US Census Bureau.

 

  • 1. A fórmula pega o total de exportações dos EUA (xi) e subtrai o total de importações (mi), chegando ao déficit comercial.

 

Ou seja: 143,5 - 438,9 = -295,4.

 

  • 2. Em seguida, o número é dividido pelo número de importações (mi) multiplicado por ε e φ. Mas esses termos tiveram valores fixos definidos pelo governo: 4 e 0,25, respectivamente, de modo que, multiplicados, equivalem a 1 e não interferem no resultado.

 

Na conta: 295,4 / 438,9*1 = 0,67 = 67%, o que Trump alega ser “a tarifa cobrada pela China dos EUA, incluindo manipulação cambial e barreiras comerciais”.

 

  • 3. Então, para definir a “tarifa recíproca”, que será cobrada pelos EUA, esse valor foi dividido pela metade, um “desconto” aplicado porque os americanos são “muito gentis”, segundo Trump.

 

Resultado: 67% / 2 = 34%.

Com o cálculo feito dessa forma, quanto maior o déficit comercial dos EUA com um determinado país, maior a tarifa, explica o economista Pedro Rossi, professor do Instituto de Economia da Unicamp.

“Trump falou como se a China cobrasse 67% de tarifas dos EUA, o que não é verdade. Na tabela, havia uma informação que dizia que o cálculo considerava manipulação cambial e barreiras não tarifárias, mas o cálculo mostra que os valores são determinados em função do déficit comercial dos EUA com esses países”, resume o professor.

 
Post no X ironiza fórmula utilizada por Trump para calcular 'tarifas recíprocas' dos EUA — Foto: X/Reprodução

Post no X ironiza fórmula utilizada por Trump para calcular 'tarifas recíprocas' dos EUA — Foto: X/Reprodução

 

Então, as tarifas podem ser chamadas de ‘recíprocas’?

 

Para a União Europeia, a fórmula matemática produziu uma tarifa punitiva de 20% — quatro vezes os 5% que a Organização Mundial do Comércio (OMC) calcula como a taxa média da UE.

 

"Então, pelo menos para nós, é uma imprecisão colossal", disse Stefano Berni, gerente-geral do consórcio que representa os fabricantes do queijo especial Grana Padano na Itália.

 

"Hoje, custa três vezes mais para nós entrar nos EUA do que para os queijos americanos entrarem em nosso mercado", afirmou em um comunicado.

 

 
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