A proposta de reforma do Código Civil que tramita no Senado Federal pode autorizar condomínios a vetar o aluguel de imóveis por meio de plataformas digitais de hospedagem, como Airbnb e Booking.
O projeto tem um artigo específico sobre deveres dos moradores de condomínios. Um dos parágrafos determina que a permissão para este tipo de serviço seja expressa na convenção do condomínio ou deliberada em assembleia.
“Nos condomínios residenciais, o condômino ou aqueles que usam sua unidade, salvo autorização expressa na convenção ou por deliberação assemblear, não poderão utilizá-la para fins de hospedagem atípica, seja por intermédio de plataformas digitais, seja por quaisquer outras modalidades de oferta”, determina o texto.
Elaborada por uma comissão de juristas, a reforma do Código foi apresentada oficialmente como projeto de lei em janeiro deste ano pelo senador e ex-presidente da Casa Rodrigo Pacheco (PSD-MG). O parlamentar foi o responsável por criar, em 2023, o colegiado que analisou as mudanças.
A legislação em vigor é de 2002 e corresponde à segunda versão do Código – a primeira é de 1916, quando foi criado. A lei é uma das que mais se aproxima do cotidiano da vida da população brasileira ao regulamentar temas sobre direitos da família, de empresas e tratar de temas como heranças, contratos e dívidas.
O projeto da reforma ainda precisa de um despacho da Presidência do Senado para começar a ser discutido nas comissões da Casa. Se for aprovado pelos senadores, ainda precisará ser analisado na Câmara dos Deputados.
Vácuo na legislação
Atualmente, não existe uma legislação específica no Brasil para regulamentar as chamadas plataformas digitais de hospedagem atípicas, que operam no país há pouco tempo. O Airbnb, por exemplo, chegou ao mercado brasileiro em 2012.
A situação é diferente para hospedagens oferecidas por empresas de hotelaria (regidas pela Lei Geral do Turismo) e por contratos de aluguel por temporada (regidos pela Lei do Inquilinato).
Com o vácuo de legislação sobre o tema, o assunto já foi alvo de decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em 2021, uma decisão do STJ determinou que condomínios residenciais podem impedir o uso de imóveis para locação por plataformas como o Airbnb.
Paulo Araújo, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de São Paulo e integrante do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (IBRADIM), avalia que a criação das plataformas criou uma nova modalidade de locação, em que imóveis particulares em prédios residenciais são utilizados em um esquema semelhante ao de hotéis.
“Isso tende a gerar desconforto, por exemplo, com questões relacionadas à segurança, já que muito mais gente passa a frequentar os condomínios, ou com o uso abusivo daquela propriedade. As pessoas não têm nenhum tipo de compromisso com regras de silêncio, de higiene ou outras regras que o condomínio tem. É uma forma nova de locação dos imóveis”, explicou o docente à CNN.
Por outro lado, na avaliação do professor, esta modalidade de aluguel pode impulsionar a economia e o turismo. “É preciso reconhecer que essa tecnologia é um facilitador da vida das pessoas, e é um fator de geração de economia. Precisamos entender qual é o melhor tipo de regulamentação para que seja atrativo, seguro e gere o menor tipo de incómodo possível”, defende.
Ampliação no debate
O docente também defende a ampliação no debate, já que o projeto do Código Civil tem apenas um parágrafo sobre o assunto. Na avaliação dele, questões tributárias e administrativas sobre o funcionamento dessas plataformas também precisam ser regulamentadas.
“Hotéis, por exemplo, pagam ISS [Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza]. Airbnb vai pagar? Do ponto de vista administrativo, os hotéis são submetidos à fiscalização da agência de vigilância sanitária, do Corpo de Bombeiros. Uma série de órgãos administrativos cuidam para que hotéis sejam seguros. E o Airbnb, em tese, não. Mas será que não deveria ser submetido a alguma espécie de regulação administrativa?”, questionou.
A discussão também é defendida pelo advogado, professor e relator da comissão de juristas do Senado sobre o tema, Flávio Tartuce. Em entrevista à CNN, ele afirmou que o colegiado fez um amplo debate sobre o assunto, mas defendeu novas discussões quando a tramitação do texto avançar.
“Esse tema foi muito debatido na comissão de juristas, tivemos as duas versões e acabou prevalecendo essa, mas acredito que esse tema ainda possa ser melhor debatido no Congresso Nacional. Porque esse tema é muito complicado e o que a gente precisa hoje é de uma regulamentação sobre esse assunto”, disse Tartuce.